Quando perdemos alguém que amamos, perdemos todos os dias. Em muitas horas. E datas. E memórias e futuros que não se chegam a viver.
O Luto é um caminho longo, cheio de passos e tarefas mais ou menos (des)encontradas. Por vezes em sintonia com quem nos rodeia, espelhados numa pertença, outras vezes num desencontro de necessidades e ritmos. Como quem olha para o mundo que corre, “normal”, no confronto com uma realidade de dor e saudade.
O Natal pode ser mais um momento desses desencontros e encontros, onde as pessoas em luto procuram significados novos, descobrem como se proteger desta normalidade acelerada de presentes e luzes e tentam semear memórias, com medo de as perder para sempre. Tenham a idade que tiverem. O Natal pode ser uma porta escancarada para a dor da perda. Ao mesmo tempo que pode ser uma oportunidade para dar lugar a essa dor.
A pensar nas pessoas em luto, e nos que as cuidam e acolhem, escrevemos este texto partilhando algumas ideias que não sendo uma bóia de salvação podem ajudar a navegar os desafios desta época. Neste NATAL…
Não dá para fugir do Natal
“Não quero lembrar-se sequer”, “vou para longe daqui”, “nem sei como é que andam todos tão felizes”, “estou farta destes enfeites todos”, “nem tenho cabeça para presentes”… E outros tantos nãos. Um não que na verdade é um “não queria nada viver isto”, “não desejei isto para nós”, “quem me dera proteger-nos desta dor”. Ao mesmo tempo que precisamos todos de nos proteger da dor precisamos também olhar a realidade, de vez em quando. Perguntar-nos: do que me escondo eu? Se eu mudar de cidade, o natal pára? Se eu não oferecer presentes, não me lembro? Se eu não tirar fotografias, não sinto?
A verdade é que não é possível evitar, fugir, negar que existem datas especiais e com elas um misto de emoções e pensamentos. Fazê-lo é adiar esse confronto. E por isso…
Acolha o que sente
Dê atenção, por momentos (mesmo que breves), ao que vai acontecendo aí dentro: o que pensa, sente, o que recorda, o que o corpo parece sentir, o que apetece fazer num impulso… E ao dar espaço a isso, está a autorizar-se a viver este momento com toda a sua verdade e não com o que mundo, lá fora e nos anúncios publicitários, demanda. Acolher é abrir a porta e dizer “senta-se aqui saudade”, “deixa-te ficar”. Mesmo que um minuto depois tenha de ir pôr a mão na massa para se distrair e equilibrar. Neste Natal, em luto, deve haver espaço para o que fica diferente. Para as saudades e medos. Para os lugares vazios que não podem ser preenchidos de barulho e prendas, na cegueira de disfarçar a tristeza. Espaço, até, para o que precisamos fazer para aguentar (“sim eu sei que vou fazer isto para não pensar, estou a ver isso. Permito-me isso por um pouco”).
Tire tempo e dê-se tempo
Quando acolhemos o que habita dentro de nós e nas relações que nos importam, podemos tirar tempo: para descansar do esforço, para chorar, para lembrar, para partilhar ou ficar sós, para escolher alegrar, para contar histórias, para fazer a receita que alguém ensinou, para dizer “não consegui fazer mais”, para pedir ajuda… No caminho de quem vive o Natal em luto pode ser importante fazer pausas para respirar e regular. Pausas que permitem o encontro com as suas necessidades, com os seus segredos e descobrir coisas novas que até pode querer fazer. Crie para si, ou até para a sua família, esse STOP como quem vem à superfície da água para respirar.
Antecipe o possível
É por conseguirmos parar, atender, acolher (prestar atenção) que podemos antecipar o possível e com isso ganhar algum controlo numa fase que pode ser vivida com maior ansiedade. Não mudo a minha realidade, não a altero da forma desejada. Não mudo o que sinto e penso, essas são verdades que não controlo. Mas posso, sim, escolher o que quero fazer: quero ir mais tarde para o jantar e proteger-me um pouco? Quero fazer um programa diferente e especial com as minhas crianças e lembrar o pai? Quero oferecer a todos uma coisa simbólica e única neste momento? Quero conversar com alguns adultos antes de nos juntarmos e pedir ajuda para gerir as crianças? Quero tirar um dia de férias depois disto tudo e ficar sozinha(o)?
Antecipar pode ajudar a ter um plano, aumentar a percepção de competência e segurança, prevenir situações mais difíceis e até preparar soluções conjuntas.
E, claro, no encaixe deste puzzle difícil que é (re)construir um novo Natal podemos ir descobrindo novos lugares, rituais e significados… Por isso,
Ligue-se a (novos) lugares
O lugar do luto pode ser à mesa, quando escolhemos aquela toalha especial. Pode ser na fotografia que faz parte da árvore ou que se guarda junto ao coração. Pode ser num sítio novo onde passeamos ou numa história que decidimos recordar. Pode ser no silêncio, que a dada altura todos partilham, sem correr contra ele. Num olhar de memória. Num pensamento que voa para longe, que vai ao passado e volta. Num abraço demorado como quem diz “estamos juntos”, “hoje é diferente”. Pode ser na construção de novos Natais que têm espaço para a alegria e tristeza, para a raiva e para o alívio. Que não têm de ser só uma coisa. Pode até haver lugar para falar junto ao mar ou ao céu. Podem nascer novos lugares, de novas formas de viver o Natal, de novas histórias e tradições ajustadas à realidade.
Este Natal, na falta daquela(s) pessoa(s), é feito de todos os lugares que ela(s) deixa(m). De todos os lugares novos que descobrimos dentro de nós e nas pessoas que nos conhecem e cuidam.
Cuide bem de si. É o nosso desejo de Natal.
Ana R. Santos Psicóloga/Psicoterapeuta InLuto